quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Não existe amor gay. O que existe é amor e pronto!



Coloco a seguir um excelente texto retirado do site terramagazine.terra.com.br sobre a discriminação em relação aos gays no século XXI, de autoria de Marcelo Carneiro da Cunha. Vale muito a pena ler!

Não existe amor gay
Marcelo Carneiro da Cunha
De São Paulo

E estimados milhares de leitores, cá estamos nos dias que se seguem a mais uma gigantesca Parada do Orgulho Gay que sacudiu legal a Paulista a adjacências e fez tremer as baladas da cidade, dizem.
A imprensa deu destaque, afinal, um evento desse tamanho não consegue ser ignorado nem pela imprensa da China, mas também deu um jeito de destacar os problemas mais do que as qualidades, as brigas sobre o mar de paz e diversão. A imprensa destacou um que outro conflito de maior porte, negando o fato puro e simples de que uma multidão gigantesca, formada em parte por pessoas que sofrem a repressão institucional e social generalizada contra os gays, se reuniu, se afirmou, e foi pra casa, numa boa.
Que se perceba, o mundo não acabou, as instituições parecem seguir funcionando tão normalmente que o Congresso arrumou mais um escândalo, as igrejas parecem não ter se incendiado, e, tanto quanto pude perceber, eu, você, e o senhor aqui ao lado continuamos com nosso direito de sermos hetero preservados.
Então, o que incomoda tanto no amor gay?
Eu acho que a humanidade avança, aos trancos e barrancos e com a exceção do mundo islâmico, mas avança. Já acreditamos que as mulheres eram menos iguais; acreditamos que os negros eram tão menos iguais que a gente podia até colocar para trabalhar como escravos, aliás, sendo escravos, e tudo bem, afinal, era para ser assim mesmo. Isso mudou, acredito.
Hoje restam algumas poucas demonstrações desse nível de barbárie, que são o fato de o cigarro ser ainda permitido, de haver pena de morte em alguns países bárbaros, e de ainda haver discriminação contra os gays. Torcer pro Inter deveria estar na mesma categoria, mas alguém esqueceu de colocar isso na Constituição de 1988, e então ficou assim, liberado.
O cigarro está por um detalhe, já vai. A pena de morte, no Brasil, é tão proibida que nem pode ser reinventada. Ponto para nós. A odiosa discriminação contra os gays permanece. Hora de repensar e mudar isso, para que toda a sociedade fique um tanto melhor.
Não podemos seguir discriminando a forma pela qual os gays decidirem expressar o seu amor porque não existe amor gay. Existe amor. Amor é igual pra todo mundo. Na falta dele, todos pensamos seriamente em ouvir música de fossa, tomar xampu, comer gilete, ser dramático em nossa dor. Na presença dele, todos sentimos que o mundo se torna um lugar mais parecido com um pêssego e menos com um abacaxi. Todos ficamos mais bonitos e com a pele mais lisa. Todos sentimos que alguém, ao menos, em todos os seis bilhões de habitantes do planeta e que não é a nossa mãe, sinceramente nos adora e nos acha o máximo. O amor é o que nos faz sair da cama sem apanhar do dia lá fora e nos torna seres humanos mais humanos. Ele não é gay, porque é igual para todos.
Então por que tornar a expressão do amor, igual para todos, diferente para uns?
Não é possível e precisamos nós, heteros, dizer que chega dessa palhaçada. Que se o amor que a gente sente por quem a gente ama é a melhor coisa do mundo, depois de dulce de crema de leche da Conaprole, todos têm o mesmo direito de se lambuzar com esse doce de leite metafórico, todos temos. E de afirmar isso publicamente, da maneira que acharmos melhor, inclusive casando.
Claro que um ser dotado de muita fé em uma leitura da Bíblia e nenhuma fé no que diria Jesus Cristo, por exemplo, pode argumentar que a sua religião é contra o casamento gay.
Muito bem, que acredite nisso e não case com um gay, se não sentir vontade. Mas também acho que esse ser deve colocar o cavalinho na chuva e não se meter com o que não entende. Com o amor dos outros, por exemplo.
Mas, se qualquer um pode alegar que viu Deus em pessoa e barbas brancas baixar de uma montanha pra garantir que casamento gay não pode, eu, desde a minha luxuosa laje em Pinheiros - um lugar alto e muito próximo do céu -, posso então afirmar que ontem mesmo um anjo, ou algo muito parecido, porque quando eu bebo cachaça de Salinas tudo e todos parecem anjos, veio até mim pra me dizer que agora pode. Que tudo tinha sido um grande engano, um erro de tradução do aramaico antigo e mal-humorado da bíblia, que nenhum santo de grande porte tinha absolutamente nada contra os gays, e como poderiam ter? "Amem-se uns aos outros", disse o anjo. "A gente quer ver todo mundo se amando, já", disse o anjo, que ainda aproveitou pra informar: "e não esperem o Brasil ganhar em 2010, porque não vai rolar. Também, com o Dunga, né". E sumiu numa nuvenzinha, assim.
"Não quer deixar a mensagem em vídeo?", eu ainda tentei perguntar. "Tem gente que só acredita vendo!", mas o anjo já ia longe e achei melhor ir buscar outra dose de Salinas. Pronto. Argumento místico contra argumento místico, sou mais o meu - além do fato de que, sim, o estado e a igreja são coisas separadas no nosso país, e portanto, se teses religiosas são muito legais e interessantes pra quem acredita nelas, ninguém mais tem nada a ver com isso.
Quando criaram o divórcio no Brasil, a igreja católica, em mais uma demonstração de estar em harmonia com a nossa época e nossas vidas, foi contra e disse que seria um inverno nuclear se passassem essa lei do demônio. Alguém aí viu o mundo terminando? E, além do Chevette Hatch, alguém viu alguma outra demonstração da presença do capeta sobre a Terra?
Os tempos são assim, eles passam, e às vezes, avançam.
Agora, está mais do que na hora de a gente corrigir mais essa distorção. A lei a favor do casamento gay já vai vir, e cabe a nós, tão simplesmente apoiar. E não são os gays que agradecem, porque quando se corrige uma injustiça não fazemos nenhum favor, a ninguém. A liberdade é um bem para todos, e é uma vergonha viver sabendo que existe tanta gente oprimida pela estupidez de alguns. Faça a sua parte e, quando a lei vier, apóie. Tão fácil, tão simples, tão indolor. É fácil fazer a coisa certa. Quando ela vier, não faça nada, deixe, e pronto! O anjinho, ali desde onde ele vive, agradece. 

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe".

Por que ousar dizer seu nome?

 
"O Amor, que não ousa dizer seu nome,"
Bateu-lhe à porta, ao acaso, um dia.
E ele, inebriado pela cotovia
(que paira à janela, mas depois some...),
Sentiu crescer, súbito, na alma, u'a fome
De algo que, até então, desconhecia.
Desejo... estranheza... culpa... agonia...!
Desce aos umbrais, na angústia que o consome!
... porém, depois das lágrimas enxutas,
Chamou a cotovia, deu-lhe frutas,
E sorveram, um no outro, a própria essência.
E ambos, nessa atração de semelhantes,
Num cingir de músculos, os amantes
Ergueram-se aos portais da transcendência.
Oscar Wilde, 1876.
 
Este pequeno poema de Oscar Wilde trata de uma questão que continua sendo considerada tabu por muitas pessoas: o amor gay. Há toda uma série de objeções a esse amor, quase sempre fundamentadas em princípios religiosos e passadas de geração em geração. Porém esse amor sempre existiu e continuará existindo. Será que ainda deve ser considerado "o amor que não ousa dizer seu nome"? Eu discordo dessa opinião: acho que já chegou a hora desse amor dizer quem é, sem medo de ousar. É por isso que criei esse blog, com o intuito de falar tanto do amor gay como de questões relacionadas aos gays. É hora da visibilidade e aqui cheguei para proporcionar um pouco dessa visibilidade. Portanto, é hora de ousar dizer o nome, o nosso nome, o nome que simplesmente quer amar!